Ivan Razeira
CORAÇÃO DE CORREDOR

Para mim era mais um dia normal de trabalho.
Acordei cedo como sempre eu fui orientar nossos clientes de corrida pela manhã.
Dentre eles , um maratonista veterano com mais de 30 maratonas nas costas. Não lembro detalhes de seu histórico, mas sei que começou a correr já mais velho, passado 40 anos. Hoje já acumula seis dezenas de anos vividos e muito e muitos kms corridos.
Pessoas assim tem espírito jovem, e realmente são muito joviais no seu dia a dia, o que me dá muito prazer em conviver e admiração na esperança de que eu possa envelhecer assim sem perder o bom humor.
Acontece que muitas vezes esses jovens exageram um pouco, neste caso aqui ele acabou desenvolvendo uma hérnia de disco na região lombar que o tirou das “pistas de corrida” por um bom tempo, e neste dia comum de trabalho para mim era um dos primeiros dias incomuns de volta a corrida para ele.
Motivação extra para nós dois, planos a mil e eu como sempre muito cauteloso puxando a rédea e colocando os pés no chão. Blá, bla, bla… Tokio 2020… etc e nós íamos correminhando e viajando no futuro.
E assim seguimos por algumas sessões pensando na vida, no passado e principalmente no futuro, mas eu sempre de olho nos detalhes que me cabem, Pacing , Freqüência cardíaca , percepção de esforço, escala de dor, etc…. Ops Freqüência cardíaca, cade vc? Humm não usa, nunca foi muito adepto. Sei, é verdade, para experientes não chega a ser um bom preditor de treino, mas se tem vamos usar e voltara a condicionar a partir do seus sistema cardiovascular. Combinado, fechado e até o próximo treino.
A partir daí traçamos as zonas , os parâmetros e seguimos. Muito prontamente uma observação conjunta, atleta e treinador percebemos um frequências alta já nos momentos iniciais de corrida. Bom, penso comigo, quase um ano sem correr, alguns quilos a mais, muita medicação devido as lesões, comportamento esperado. Segue o barco e segue o olho no relógio. Lentamente as coisas vão melhorando , a forma vai voltando e o Jovem chega aos 18km. Porém , ainda percebemos um comportamento não esperado da Freqüência Cardíaca. Conversa vai , conversa vem vou sondando sobre os exames, avaliações , revendo histórico e tal e vou comendo pelas beiradas até que proponho um Teste Ergométrico de Esforço Máximo para Atletas com nosso cardiologista de confiança. A pulga estava lá, então é melhor tirar ela do que tirar a orelha no futuro.
Teste feito, e fibrilação atrial diagnosticada! Boom!
Nada que num primeiro momento seja preocupante, mas deve ser muito bem avaliado, conduzido e tratado.
Nestas horas agradeço meu diploma, pois sei que através de tudo que vivi, estudei e me inspirei com meus mestres na faculdade , nestas horas vale muito a pena estar preparado para evitar um mal maior e garantir a saúde do seu cliente.
Uma condição como essa pode acabar em um desfecho que ninguém quer. Pense você que quem já correu inúmeras maratonas está mais preparado para elaborar um programa de treino e se condicionar do que eu treinador formado que nunca corri uma (com excessão das maratonas no Ironman). Esse corredor tem toda a experiência, vivência e poderia cercar-se dos melhores produtos e informações que o mercado por oferecer. Mas talvez nunca fosse capaz de perceber que seu coração envelheceu, que sua condição de saúde mudou, que o protocolo padrão das clínicas de cardiologia talvez não atendam a sua necessidade, etc…
Nesta hora eu percebi o quanto vale estar capacitado para exercer sua profissão, pois eu sei e defendo que o exercício físico e os esportes são livres e qualquer um pode praticar como bem entender, mas na hora em que você se compromete com a saúde alheia, aí você esta assumindo uma grande responsabilidade chamada VIDA!
Esta é uma crônica baseada num história da vida real.
Bons treinos!
Ivan Razeira